sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal

NATAL

Severino Vicente da Silva


Enquanto o vento sopra as folhas da cana verde e caminhões e tremiões correm dos canaviais queimados em direção das usinas, podemos ouvir as conversas sobre as festas de Natal. O natal é a festa do nascimento do Menino Jesus, o filho de Deus e de Maria. O filho de Deus nasceu em um lugar pobre, uma gruta que servia de proteção para os animais em época de frio, como na noite em que o Menino Jesus Nasceu. Essa gruta ficava fora da cidade, um lugar de difícil acesso. Um dos mistérios mais bonitos do Natal é que nós festejamos o nascimento de um pobre. Outro mistério do Natal é o aparecimento de três reis que estão à procura do lugar onde nasceu a criança que será o maior de todos os reis, segundo esses sábios que vieram trazer presentes para ele. Como é bonito esse mistério: reis, de muita sabedoria, vêm prestar homenagem a uma criança pobre, e trazem para elas presentes dignos de reis.
Na tradição da cultura de nossos pais e avós, a festa de Natal era realizada na frente da Igreja, com uma missa rezada à meia noite e, depois as pessoas iam para suas casas. Mas também havia a dança do Pastoril, com as meninas-moça, vestidas de pastoras dos cordões Encarnado e Azul, cantando as jornadas até o dia 6 de janeiro, o dia dos Santos Reis Magos. Antes de chegarem à gruta onde estava a criança, os Magos passaram na casa do rei Herodes que queria saber onde estava a criança para poder matá-la. Desconfiados, os Reis Magos não voltaram a falar com Herodes e assim salvaram a criança daquele malvado.
Na Zona da Mata, onde os sítios estão se acabando e as cidades crescendo sem muita ordem, todo o tempo tem Menino Jesus nascendo, trazendo novas esperanças para todas as famílias. Tem estrelas brilhando, iluminando o caminho para que cheguem boas notícias com os Reis Magos. No dia 23 dezembro, os jornais informaram que um cortador de cana, nos canaviais de Palmares, Jonas Lopes da Silva passou no vestibular da Universidade de Pernambuco e vai estudar medicina. Ele diz “ minha mãe foi acabada pela cana de açúcar. Foi massacrada pelo destino. (...) e quando meu pai me disse que se eu não estudasse eu iria cortar cana, fiquei danando.” E esse conselho do pai e essa raiva fizeram Jonas estudar.
O Programa Canavial deseja um Feliz Natal para todos os rapazes e moças, a todos os pais e mães de todas as famílias da Zona da Mata, especialmente lembrando que Jonas, neste Natal está sendo um rei que nos dá de presente a sabedoria de sua experiência: é pela cultura e pela educação que vamos nos livrar dos planos de Herodes.

Enquanto os caminhões e tremiões passam em direção das usinas ou dos canaviais, a gente continua se preparando para a festa do Natal. A gente, que como o Menino Jesus, nasceu pobre

Escrito para os programas dos dias 25 e 26 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Caboclinhos Cahetes de Goyana

CABOCLINHO CAHETES

Severino Vicente da Silva

São muitas as razões para que os pernambucanos tenham orgulho de sua história, e entre esses motivos podemos mencionar o município de Goiana e suas muitas tradições culturais. Recentemente tem crescido, entre os Goianenses, a compreensão da riqueza de sua cultura, uma cultura criada ao longo da trajetória histórica da cidade que se confunde com a própria história do Brasil. Nas terras de Goiana a história sempre se fez com a participação dos índios, Caeté, Tabajara, Tupinambá, Tapuia, Canidé e muitos outros. Essa participação foi de várias maneiras, ora na guerra, ora na cooperação com os outros grupos que vieram do outro lado do oceano e, na guerra ou na cooperação, terminou por fazer surgir o povo brasileiro.

E nós sabemos que a história pode ser contada de muitas maneiras, sendo que uma delas é a dança. Por isso, quando a gente, lá em Goiana, assiste a passagem de um grupo de caboclos, o que a gente vê é um pedaço da história do Brasil, a história antiga do Brasil, sendo contada. Ali nós podemos aprender como se organizavam os primeiros habitantes do Brasil, aprendemos que nós tínhamos um governo na pessoa do Cacique; uma religião, na figura do pajé; uma família social comandada pela Cacica e também guerreiros jovens e bonitos que defendiam os mais fracos.

As ruas de Goiana e as ruas de todas as cidades nos mostram o resultado do trabalho do pedreiro, do encanador, do engenheiro, do padeiro, do marceneiro, do carpinteiro, do serralheiro, etc. Quero dizer que todas as ruas das nossas cidades são sinais da história dos nossos antepassados, são resultado dos trabalhos de nossos avôs e avós, de nossos pais e mães, de nossos tios e tias e de todas as nossas famílias. Mas Em Goiana, além disso, o desfile dos caboclinhos conta a história dos nossos pais e mães mais antigos.

O Programa Canavial quer hoje fazer uma homenagem especial ao Caboclinho Cahete de Goiana que neste dia 16 de dezembro de 2009 completou 105 anos de vida, pois desde 16de dezembro de 1904, essa tribo vem contando história antiga do Povo Brasileiro enquanto está fazendo a sua história contemporânea.
Parabéns ao CABOCLINHO CAHETE DE GOYANA.
Viva o Povo Brasileiro.

ps. Escrito para os programas dos dias 18 e 19 de dezembro de 2009.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Parabéns, Mestre Calu

PARABÉNS MESTRE CALU

Severino Vicente da Silva



A televisão chegou a Pernambuco no inicio da década de 1960. E mesmo assim não foi de uma vez em todos os lugares, porque a maior parte do nosso estado nem tinha luz elétrica. Até bem pouco tempo os engenhos e alguns povoados tinham a eletricidade produzida por uma bomba, e só funcionava uma parte da noite. A pessoa que tomava conta da bomba era tão importante que ainda hoje, no Cavalo Marinho, tem uma figura que o Mateus vai chamar, porque sem ele não tem a festa, fica tudo no escuro. Pois bem, como não tinha luz elétrica, não tinha televisão, o povo se divertia com a sua cultura, com as suas brincadeiras. Uma dessas brincadeiras é o Mamulengo.

Ali, no fim da rua, às vezes perto da Igreja, se arrumava o Mamulengo, que o pessoal também chamava de Babau. Era organizado um pequeno teatro, com um pano separando os assistentes dos artistas que iam contar e mostrar as histórias. Todo mundo ia se divertir com as histórias que eram contadas, quase sempre falando de discussões entre os homens por causa de mulheres, e podia aparecer o soldado, o padre, os doutores e tantas personagens quantos fossem os bonecos que o mestre trouxesse na sua mala. Eram muitas histórias e o povo “morria de rir”, porque eram histórias parecidas com as que ele vivia no seu dia a dia, ou ouvia contar.

O Mamulengo era o cinema, a televisão, o teatro de bonecos que enchia as noites depois das novenas. Os mais jovens podem perguntar para os mais velhos pra ver se eu estou mentindo. Tem muita gente que está me ouvindo que, sabendo onde tinha, não perdia a apresentação dos bonecos de mamulengo. Aposto que João Limoeiro, Mestre Zé Duda e muitos outros podem contar o que estou dizendo aqui.

Na cidade de Vicência tem um mamulengueiro famoso que ainda se apresenta com o seu MAMULENGO FLOR DO JASMIM. É o seu Antonio Joaquim Santana, o mestre Calu. No dia 12 de agosto ele completou 54 anos, pois nasceu em 1945, mas está como Mestre Mamulengueiro desde 1976, quando seu pai, o José Joaquim Santana morreu. Ou seja, faz 33 anos que Mestre Calou está à frente do Mamulengo Cor de Jasmim, mas esse mamulengo já era de seu pai. Aliás, Calu era o apelido de seu pai que passou para o filho.

O Mestre Calou apresentava o Mamulengo em toda a região, nos engenhos, nos sítios. Hoje o tempo está um pouco mudado, e o Mestre Calu continua a representar a sua arte, concorrendo com a televisão e as bandas que fazem tanto barulho que não deixam mais a gente ouvir as histórias dos bonecos. Mas Mestre Calu, como o povo, é teimoso e continua a se apresentar.

Nesse mês da Cultura, o programa Canavial fica feliz com mais um aniversário do Mestre Calu, e deseja que ele e seu grupo, que é formado por Estevão, Cosmo Mulungu, Tetêu do triângulo, Zé do Cavaco e Jorge da Bagé, continuem a manter acesa a arte dos bonecos. Parabéns ao Mestre Calou e a todos os Mestres de Babau da nossa Zona da Mata Norte.

ps. Editorial escrito para o Programa Canavial dos dias 22 e 23 de agosto de 2009.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Direitos humanos

DIREITOS HUMANOS
Severino Vicente da Silva

Nos dias de hoje uma palavra que escutamos muito é a palavra “direitos humanos”, e ela nos ajuda a abrir caminho no imenso canavial que é a vida a gente. Mas houve um tempo, no passado, que “direito” era uma palavra pouco usada. A não ser quando ela vinha para dizer que “fulano de tal é bacharel em direito”. Em vez de direito, era mais comum se ouvir “privilégio”, “regalia”. No passado os pobres não tinham muito direito. Os mais pobres tinham muita obrigação.

A gente mais nova não pára para pensar, mas os mais antigos nem sempre tinham direito de morar, de ter um lugar seu, especialmente se fosse morador de um engenho ou sítio. Quando o dono da propriedade queria, mandava o morador sair e derrubava a casa. Havia tão poucas escolas que, na verdade, os pobres não tinham direito à educação. Hospital, médico, remédio, o direito a esses serviços não existia. Por isso é que muitos pobres ficavam com uma gratidão infinita quando alguém os levava ao hospital e, por causa disso votava naquela pessoa para qualquer cargo. Era uma vergonha, os mais ricos se aproveitando da miséria dos mais pobres, não lhes reconhecendo os direitos, mas dizendo que era um privilégio.

Os Direitos são coisas que são nossas, como o direito à vida, o direito à alimentação, o direito de não ser espancado, o direito de andar livremente na rua. Ninguém pode negar esses direitos aos outros. Agora é claro que todos temos o dever de respeitar os direitos dos nossos vizinhos, dos nossos filhos, dos nossos alunos, dos nossos professores, dos nossos empregadores, os nossos empregados, etc. Na verdade, a vida só é possível porque nós temos direitos e deveres e a vida fica mais bonita quando todos respeitam os direitos de todos.

No dia 10 de dezembro de 1948 a Organização das Nações Unidas publicou uma Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil assinou essa declaração e se comprometeu em fazer com que todos os habitantes no território brasileiro tivesse os seus direitos respeitados, entre eles o direito ao trabalho, o direito de constituir uma família e muitos outros.

O Programa Canavial nesta semana deseja lembrar que todos nós temos direitos, inclusive o direito de ter acesso à cultura e o direito de ser feliz. Por essa razão o Programa Canavial deseja que cada um dos ouvintes lembre-se de respeitar o direito do outro.

ps. Editorial escrito para os programas dos dias 11 e 12 de dezembro de 2009.

sábado, 5 de dezembro de 2009

As devoções do povo da mata

O início do mês de dezembro é apresentado como um momento de trocas de presentes. Também é mês de louvação ao nascimento do menino Jesus e em torno dele as homenagens à sua mãe. Maria, esse nome ficou muito famoso e é um dos mais comuns. Praticamente em todas as nossas casas há uma Maria. E são muitas as Marias: Maria da Soledade, Maria do Amparo, Maria Anunciada, Maria José, Maria Aparecida, Maria da Saúde, Maria do Céu, Maria da Penha, Maria do Bom Parto, Maria das Neves, Maria do Ò, Maria do Carmo, Maria do Rosário, Maria Olindina, Maria das Graças, Maria de Lourdes, Maria Flor, são muitas Marias.
Algumas de nossas cidades estão ligadas a Maria a mãe de Jesus. É, por exemplo, o caso de Nazaré da Mata e Goiana, que esta semana estão fazendo homenagem a sua protetora. E no Recife, tem a grande festa de Nossa Senhora do Morro da Conceição em Casa Amarela, no Recife, lugar onde vive muita gente que nasceu na região da Mata Norte.
Mas há uma invocação a Maria que talvez seja a mais popular de todas, e essa é a Maria da Conceição, a Nossa Senhora da Conceição. Um dia, conversando com João Vicente da Silva, descobri que a sua madrinha se chama Nossa da Conceição, a mãe de Jesus. Depois verifiquei que são muitos os pobres que escolheram a Conceição como sua madrinha. Tem gente que é tão pobre que não consegue madrinha para seu filho e então pode a Senhora da Conceição que tome conta do seu filho.
Além disso, se a gente olhar direitinho, em quase todas as casas há um retrato de uma mulher que lembra Maria; E também lembra também outra mulher, um espírito indígena que, segundo crença de muitos, protege as águas dos rios; os índios a chamam de Iara e está relacionada ao culto da Jurema. E também tem a imagem de Iemanjá, a mulher sagrada que protege as águas e está mais ligada aos brasileiros de religião de origem africana.
Todas essas imagens de mulher forte, protetora, amiga, todas elas são celebradas no dia 8 de dezembro. O programa Canavial deseja a todas as cidades que celebram a sua padroeira nesse início de dezembro e a todas as Marias, Iaras e Iemajás muitas felicidades.